A economia socialista do fascismo italiano

Lawrence K. Samuels

A economia do fascismo italiano é frequentemente ignorada ou banalizada porque muito do que continha é encontrado em economias do mundo contemporâneo. Vejamos alguns componentes da economia fascista: planejamento central, pesados subsídios estatais, protecionismo (altas tarifas), aguda nacionalização, favorecimentos escancarados, enormes déficits, altos gastos governamentais, socorro financeiro a bancos e indústrias, burocracia em cima de burocracia, massivos programas de bem-estar social, endividamento nacional desenfreado, inflação galopante e “um arcabouço econômico nacional integrado, multiclasse e altamente regulado.”1

Benito Mussolini, em inúmeras ocasiões, identificou suas políticas econômicas com “capitalismo de Estado” – a mesma terminologia usada por Vladimir Lênin para introduzir a sua Nova Política Econômica. Lênin escreveu: “O capitalismo de Estado há de ser um passo a frente se comparado ao atual estado de coisas em nossa República Soviética.”2 Após o colapso da economia russa em 1921, Lênin admitiu privatizações e a existência de iniciativa privada, aceitou que pessoas comercializassem, comprassem e vendessem visando o lucro pessoal.3 Lênin estava caminhando em direção a uma economia mista. Ele mesmo exigiu que empresas estatais se pautassem por princípios de lucros e prejuízos.4 Lênin reconhecera que era preciso recuar do socialismo total e permitir algum capitalismo.

Mussolini seguiu o exemplo de Lênin e prosseguiu no caminho de estabelecer, na Itália, um modelo econômico baseado no dirigismo estatal. Na sua essência, o fascismo de Mussolini foi simplesmente uma imitação da “terceira via” de Lênin, que combinava mecanismos típicos de mercado com socialismo – semelhante ao “socialismo de mercado” da China Vermelha. Em suma, o marxismo revisto de Lênin culminou em políticas “socialistas brandas” que ajudaram a inspirar Mussolini na concepção do seu fascismo a la Itália, com uma guinada socialista à direita. Assim, pode-se dizer que as políticas de Lênin foram a primeira versão moderna do fascismo e do corporativismo estatal.

O economista Ludwig von Mises, fugitivo da conquista nazista da Europa, sustentava que “o programa econômico do fascismo italiano não diferia do programa do Socialismo Gremial Britânico como difundido pelos mais proeminentes socialistas britânicos e europeus.”5 6

Em The Concise Encyclopedia of Economics, Sheldon Richman expressa sucintamente: “Enquanto sistema econômico, o fascismo é socialismo com um verniz capitalista.”7 Enquanto o socialismo visa abolir o capitalismo abertamente, o fascismo dá-lhe a aparência de uma economia baseada no mercado, mesmo ela se pautando pesadamente pelo planejamento central de todas as atividades econômicas. De acordo com os autores Roland Sarti e Rosario Romeo, “Sob o fascismo o Estado teve mais liberdade para controlar a economia do que qualquer outra nação de seu tempo, exceto pela União Soviética.”8

Curiosamente, Mussolini achava muito das teorias econômicas de John Maynard Keynes consistentes com o fascismo, escrevendo: “O fascismo está inteiramente de acordo com o Sr. Maynard Keynes, apesar de sua proeminente posição como um liberal. Na verdade, o excelente livreto do Sr. Keynes, O Fim do Laissez-Faire (1926), talvez sirva, em grande medida, como uma introdução útil à economia fascista. Nele não há muito ao que se opor e muito há a aplaudir.”9

Depois da Grande Depressão mundial, Mussolini se tornou mais verboso nas suas reivindicações de que o fascismo rejeitou, explicitamente, os elementos capitalistas do individualismo econômico bem como do liberalismo laissez-faire. Em sua Doutrina do Fascismo, Mussolini escreve: “A concepção fascista da vida aceita o individual apenas quando segue os interesses que coincidem com os do Estado (…). O fascismo reafirma os direitos do Estado. Se o liberalismo clássico significa individualismo, o fascismo significa governo.” Em sua autobiografia de 1928, Mussolini deixa explícita a sua aversão ao capitalismo liberal: “Os cidadãos no Estado fascista não são mais indivíduos egoístas que têm o direito antissocial de rebelar-se contra qualquer lei da Coletividade.”

Na medida em que os efeitos da Grande Depressão persistiam, o governo da Itália promovia fusões e aquisições, socorria negócios a beira da falência e “confiscava as participações societárias de bancos, que detinham grandes participações.”12 O Estado italiano assumiu corporações em bancarrota, negócios cartelizados, aumentou gastos governamentais, expandiu a oferta monetária, fez crescer os déficits.13 O governo italiano promoveu a indústria pesada “nacionalizando-a em vez de deixá-la ir à bancarrota.”14

Os líderes fascistas viam as corporações italianas como “revolucionárias”, e alegavam que o Estado corporativo “garantiria o progresso econômico e a justiça social.”15 As teorias fascistas italianas do corporativismo surgiram do sindicalismo nacional e do sindicalismo revolucionário que frequentemente conciliavam as atividades dos sindicatos, guildas de ofício e sociedades profissionais. Mussolini reconhecia as raízes e influências socialistas do fascismo. Entre os que influenciaram o fascismo, conforme reconhecido por Mussolini, estão o marxista Georges Sorel e o pioneiro do sindicalismo revolucionário Hubert Lagardelle, ambos franceses.16 Aliás, Mussolini era adepto do sindicalismo: decretou obrigatória a organização de todos os trabalhadores italianos em sindicatos. É verdade que Mussolini proibiu greves, mas Lênin fez a mesmíssima coisa na União Soviética.

Sob o fascismo do Estado corporativo, “comitês de planejamento definiam as linhas de produtos, os níveis de produção, preços, salários, condições de trabalho, e o tamanho das firmas. Licenciamentos eram onipresentes; nenhuma atividade econômica podia ser realizada sem a permissão do governo.” Essas medidas restringiam a abertura de novos negócios bem como a expansão do que se tinha.17 18 Mais ainda: “os níveis de consumo eram ditados pelo Estado, e os rendimentos ‘excedentes’ tinham de ser renunciados na forma de impostos ou ‘empréstimos’.”19

Em meados da década de 1930, o estatismo corporativo e a concentração regulatória tinham feito com que o sistema de crédito italiano fosse colocado “sob o controle do Estado e de agências paraestatais” e, ao final da década, cerca de 80 por cento do crédito disponível era “controlado diretamente ou indiretamente pelo Estado.”20 Na medida em que a guerra com a Etiópia se aproximava, o governo da Itália impunha preços controlados, cotas de produção e tarifas mais altas. Um enorme déficit comercial se expandia, levando a mais restrições às importações, controles mais rígidos sobre divisas e maiores controles sobre a distribuição de matérias-primas.21 Enquanto Mussolini se movia em direção a “autarquia”, ou autossuficiência, e impunha leis mais protecionistas, a “elevação das despesas do governo e o déficit do orçamento aumentaram sete vezes entre 1934 e 1937.”22 23

Com a aprovação da Lei da Reforma Bancária, em 1936, o Banco da Itália e a maioria dos outros grandes bancos tornaram-se entidades governamentais.24 Um ano antes, o confisco de capitais tinha começado com decretos estatais que exigiam que todos os bancos, empresas e cidadãos privados entregassem suas ações e debêntures ao Banco da Itália.25

Mussolini dobrou o número de burocratas italianos sob uma gigantesca burocracia de comitês. Em 1934, a cada cinco italianos um trabalhava para o governo.26 Havia um labirinto “de burocracias que se sobrepunham e onde as ordens de Mussolini constantemente se perdiam ou eram propositadamente extraviadas.”27

Em maio de 1934, quando o Instituto para a Reconstrução Industrial (IRI) começou a assumir os ativos bancários, Mussolini declarou: “Três quartos da economia italiana, industrial e agrícola, estão nas mãos do Estado.”28 29 Em 1939, a Itália apresentava, no mundo fora da União Soviética, a mais alta taxa de empresas sob controle estatal.30 Naquele ano, o Estado “controlava mais de quatro quintos do transporte e da construção naval da Itália, três quartos da sua produção de ferro-gusa e cerca de metade da produção de aço.”31

Em setembro de 1943, Mussolini liderava a chamada República Social Italiana (RSI), um Estado fantoche da Alemanha nazista, e sugeria, como proposta adicional, a “socialização econômica”. Começava a demonstrar um interesse renovado em seu radicalismo anterior. Alegando jamais ter abandonado os seus ideais de esquerda32, “se voltava para um tipo de socialismo que, uma vez mais, atacava o capitalismo”, num esforço para “aniquilar as plutocracias parasitárias.”33 Em fevereiro de 1944, o governo de Mussolini delineava uma “lei de socialização”, que clamava por mais nacionalização da indústria e na qual os trabalhadores participariam na gestão de fábricas e empresas, bem como a reforma agrária.34 A República Social Italiana “enfatizava obsessivamente” compromissos com a socialização, com uma “variedade de igualitarismo fascista e um ampliado Estado de bem-estar social fascista.”35

Na sua essência, a economia da Itália fascista era marxista e de inspiração sindicalista – e muito mais de esquerda, socialista, do que as economias de muitos países ocidentais cuja economia é um misto de socialismo, welfarismo e proletarismo. Agora, cabe aos economistas e historiadores, ainda que tardiamente, reconhecerem esse fato.

Notas de rodapé

1. Stanley G. Payne, A History of Fascism 1914-1945, Madison: Wisconsin, University of Wisconsin Press, 1995 p. 7.

2. V. I. Lenin, “The Tax in Kind”, written April 21, 1921, Lenin’s Collected Works, 1st English Edition, Progress Publishers, Moscow, 1965, Volume 32, pages 329-365.

3. V. N. Bandera “New Economic Policy (NEP) as an Economic System”, The Journal of Political Economy, Vol. 71, No. 3 (June, 1963), 265-79: p. 268.

4. V. N. Bandera “New Economic Policy”, p. 268.

5. Sidney and Beatrice Webb, Constitutions for the Socialist Commonwealth of Great Britain, London: UK, London, New York, Longmans, Green & Co. 1920.

6. Ludwig von Mises, Planned Chaos, Foundation for Economic Education, Irvington-on-Hudson: NY, 1970, p. 73, first printing 1947.

7. Sheldon Richman, “Fascism”, in David R. Henderson, ed., The Concise Encyclopedia of Economics, 2nd ed., (Indianapolis, Indiana: Liberty Fund, 2008). Online at the Library of Economics and Liberty.

8. Franklin Hugh Adler, Italian Industrialists from Liberalism to Fascism: The Political Development of the Industrial Bourgeoisie, 1906-1934, New York: NY, Cambridge University Press, 1995, p 347; original source: Rosario Romeo, Breve Storia della grande industria in Italia 1861/1961, Bologna, 1975, pp.173-4; Roland Sarti, Fascism and the Industrial Leadership in Italy, 1919-40: A Study in the Expansion of Private Power Under Fascism, 1968, p. 214.

9. James Strachey Barnes, Universal Aspects of Fascism, Williams and Norgate, London: UK, 1929, pp. 113-114.

10. Gaetano Salvemini, Under the Axe of Fascism, London: UK, Victor Gollancz, LTD, 1936, p. 134.

11. Mussolini, My Autobiography, New York: NY, Charles Scribner’s Sons, 1928, p. 280.

12. Michael E. Newton, The Path to Tyranny: A History of Free Society’s Descent into Tyranny, 2nd edition, New York: NY, Routledge, 1994, p. 170.

13. Jeffrey Herbener, “The Vampire Economy: Italy, Germany, and US”, Mises Institute, October 13, 2005.

14. Newton, Path to Tyranny, p. 171.

15. Martin Blink Horn, Mussolini and Fascist Italy, 2nd edition, New York: NY, Routledge, 1994, p. 29.

16. Sternhell, Zeev, Neither Right nor Left: Fascist Ideology in France, English translation ed., Princeton: NJ: Princeton University Press, 1986, p. 203.

17. Richman, “Fascism”.

18. Gaetano Salvemini, Under the Axe of Fascism, London: UK, Victor Gollancz, LTD, 1936, p. 418.

19. Richman, “Fascism”.

20. A. James Gregor, Italian Fascism and Developmental Dictatorship, Princeton: NJ, Princeton University Press, 1979, p. 158.

21. Alexander J. De Grand, Italian Fascism: Its Origins & Development, Lincoln: NE, University of Nebraska Press, 1982, p. 106.

22. Michael E. Newton, The Path to Tyranny: A history of Free Society’s Descent into Tyanny, 2nd edition, New York: NY, Routledge, 1994, p. 173.

23. Alexander J. De Grand, Italian Fascism: Its Origins & Development, p. 108.

24. Alexander J. De Grand, Fascist Italy and Nazi Germany: The “Fascist” Style of Rule, second edition, New York, NY, Routledge, p. 52.

25. Jeffrey Herbener, “The Vampire Economy: Italy, Germany, and the US”, Mises Institute, October 13, 2005.

26. George Seldes, “The Fascist Road to Ruin: Why Italy Plans the Rape of Ethiopia”, The American League Against War and Fascism, 1935.

27. Jim Powell, “The Economic Leadership Secrets of Benito Mussolini”, Forbes, Feb. 22, 2012.

28. Gianni Toniolo, editor, The Oxford Handbook of the Italian Economy Since Unification, Oxford: UK, Oxford University Press, 2013, p. 59; Mussolini’s speech on May 26, 1934.

29. Carl Schmidt, The Corporate State in Action, London: Victor Gollancz Ltd., 1939, pp. 153-76.

30. Patricia Knight, Mussolini and Fascism (Questions and Analysis in History), New York: Routledge, 2003, p. 65.

31. Martin Blink Horn, Mussolini and Fascist Italy, 2nd edition, New York: NY, Routledge, 1994, p. 35.

32. Denis Mack Smith, Mussolini: A Biography, New York: NY, Vintage Books, p. 31.

33. Stephen J. Lee, European Dictatorships 1918-1945, 3rd edition, New York: NY, Routledge, 2008, p. 17.

34. Stephen J. Lee, European Dictatorships, p. 171-172.

35. R.J.B. Bosworth, Mussolini’s Italy: Life Under the Fascist Dictatorship, 1915-1945, New York, NY, Penguin Press, 2006, p. 523)


Original em inglês disponível no endereço: http://www.econlib.org/library/Columns/y2015/Samuelsfascism.html


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